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LIVROS | Dentro do Segredo

Sinto uma curiosidade imensa por lugares que provavelmente nunca vou conhecer, por assuntos políticos que não estão à mão de semear e por vivências que são tão longínquas do meu quotidiano. Dentro do Segredo conta-nos de forma exímia, detalhada e sentida a viagem concretizada por José Luís Peixoto à Coreia do Norte. Decorria o ano de 2012 e as celebrações do centenário de Kim Il-Sung. Exatamente por este acontecimento, foi permitida uma viagem maior e com direito à visita a lugares inéditos para estrageiros. É um livro que nos faz viajar desde a decisão de embarcar nesta viagem até ao seu regresso.

É um relato de viagem que nos prende do início ao fim na sua fluidez escrita, faz-nos ingressar nos monumentos, museus, cidades e eventos com a imaginação de uma forma leve, mesmo que o assunto seja pesado e que me tenha levado a ter palpitações mais sentidas em alguns parágrafos. É-nos exposto muito do que acontece e daquilo que o autor vê naquele que é considerado o país mais fechado do mundo, é espelhado aquilo que o autor observa mas também aquilo que o autor sente, oscilando consoante a viagem, o tempo, o cansaço e os acontecimentos.

É um testemunho de vidas e de vivências que tão pouco têm a ver com a nossa, de um culto de personalidade transcendente, de uma exaltação exacerbada, de um respeito imenso ao regime e aos líderes, até as operações cosméticas para-turista-ver. Achei particularmente fascinante os relatos de uma celebração onde todos cantavam e dançavam, das crianças a andarem de transportes públicos sozinhas, das demonstrações públicas de afeto, do que era uma loja lá - "Aquilo que, noutro ponto do mundo, seria apenas uma loja de produtos baratos, de má qualidade, era ali uma síntese garrida de tudo aquilo que a maioria dos norte coreanos não sabe sequer que existe. As suas prateleiras eram a exposição feia do privilégio de alguns. E da mentira.". A descrição de um museu do metro que se revelara um museu das visitas dos líderes ao metro, as pessoas singelas avistadas ao longe a trabalhar nos campos agrícolas, a fronteira. 

É um livro limpo de preconceito, o que para mim é admirável, para outros pode ser simplesmente criticável. Lê-se de rajada e, apesar de ficar fascinada com relatos e testemunhos mas também com o absurdo de algumas ocorrências, deu-me a certeza que não teria coragem de fazer uma viagem destas e que sou imensamente grata por ter o privilégio de viver numa sociedade e num tempo como o nosso.

1 comentário:

  1. Um dos escritores portugueses que mais adoro! Ele e o João Tordo!

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Obrigada por leres!

 
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