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FAMÍLIA | Dionira, a minha Avó

         A minha avó era uma pessoa bastante peculiar nas suas manias e rotinas. Tinha os dedos calejados do trabalho e da terra. Conhecia as suas flores como ninguém. Sempre se arranjou particularmente bem para a eucaristia dominical, especialmente quando conseguia ir com ela de braço dado, ao passo dela. A minha avó tinha um nome que mais ninguém tinha, caligrafia com letra "de primária" e escrevia da forma que falava, podíamos ler ao pé da torneira da garagem "deichar boltada para cima". Afinal de contas, somente tinha a terceira classe, a vida não permitia mais a uma criança nos anos 40.

          Era certo que às três da tarde estava a rezar o terço simultaneamente com a transmissão a partir de Lourdes e que beijava a fotografia do meu avô todos os dias. Era também certo que tinha sempre mais do que uma toalha posta na mesa e que íamos por uma vela à Senhora da Ajuda todos os verões. Falava português e francês e usava sempre a segunda pessoa do plural e os seus verbos inventados, "pincha-me!" - dizia-me ela para a ajudar a meter o cinto no carro.

        A minha avó demonstrava amor por nós ao fazer crepes, tarte de maçã, arroz doce, ou o que quer que ela inventasse sempre que sabia que íamos lá a casa. Servia-nos sempre mais "porque estávamos a crescer". Não era uma excelente cozinheira, mas fazia-o com um carinho imenso.

        Era a mais velha de sete irmãos. Uma mulher de aço, sobretudo com todos os sustos e problemas de saúde dos últimos anos, mas igualmente ao longo da vida perante tantas adversidades. Lavou escadas, trabalhou em fábricas. Mulher de genica e de energia invejável, não conseguia estar parada e nada lhe metia medo. Gostava de tudo à maneira dela. Conhecia a terra, o tempo, as pessoas, os animais.

        Quando era miúda, diziam-me que cada pessoa que partia era uma estrelinha no céu e sempre fiz desta interpretação algo literal para mim. A minha avó é a estrela do meio da constelação das três marias e alinha-se na perfeição com aquela que escolhi para ser o meu avô. E olha por mim, todas as noites.





2 comentários:

  1. Que texto tão bonito e tão sentido. 🤍✨

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  2. Que bonito, Leonor! De certeza que ela tem um orgulho incrível na mulher que és <3

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Obrigada por leres!

 
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